domingo, 20 de junho de 2010

Brasil e o Mercosul.


BRASIL E O MERCOSUL
  • Este artigo constitui um exercício de análise prospectiva sobre o itinerário futuro do MERCOSUL, com base numa discussão não exaustiva dos principais problemas que se colocam para sua evolução política e econômica, tanto do ponto de vista interno como externo. A despeito de um enfoque o mais possível "desnacionalizado" e tendencialmente "objetivo", o autor considera inevitável que uma perspectiva propriamente brasileira insinue-se no decorrer do ensaio, o que deve ser honestamente assumido como decorrência natural do estudo desses problemas a partir da realidade brasileira, assim como, compreensivelmente, do exame de outras análises conduzidas em sua maior parte em seu país de origem. O mesmo ocorreria, mutatis mutandis, no caso de uma discussão efetuada a partir da Argentina, por uma analista que operasse sua própria seleção de problemas e oferecesse uma visão de futuro com base na "percepção" dos temas "prioritários" do processo de integração tal como visto no âmbito de sua própria "economia política" doméstica.
  • Independentemente, porém, da margem do Prata a partir da qual o analista instale sua luneta de observador, parece claro que qualquer exercício de "futurologia" em torno do MERCOSUL deve, antes de mais nada, delimitar as opções econômicas e comerciais em jogo e as propostas políticas disponíveis em termos de organização institucional, do ponto de vista de seu desenvolvimento interno. Caberia considerar, em seguida, os elementos do relacionamento externo do esquema integracionista, notadamente no que se refere ao processo hemisférico e à continuidade do processo de aproximação com a União Européia, para poder projetar, finalmente, os cenários possíveis ou prováveis da evolução futura do MERCOSUL. Do ponto de vista deste observador, mas respeitando-se igualmente o caráter "objetivo" dos números relativos e das "relações de força" em jogo, parece evidente, em qualquer hipótese, que o itinerário de médio e longo prazo do MERCOSUL dependerá, em grande medida, das escolhas que faça seu mais importante protagonista, a saber, o Brasil. A propósito, uma análise operada a partir da outra margem do Prata poderia observar que, sem a colaboração e a cooperação ativas de seus demais sócios no empreendimento, o Brasil não poderia levar o MERCOSUL a nenhum destino diverso daquele a ser decidido de comum acordo, uma vez que os atuais mecanismos decisórios podem, de fato, obstar a qualquer itinerário estabelecido unilateralmente. Não obstante essa realidade, do ponto de vista de suas possibilidades efetivas e potenciais de desenvolvimento, não se poderia recusar o fato de que o Brasil detém, de fato, a chave estratégica do itinerário político e econômico do MERCOSUL no século XXI, mesmo considerando-se que esse país não ostenta, objetivamente, nenhum comportamento econômico "imperial" e que ele se tenha despido de qualquer veleidade política unilateralista ao engajar-se decisivamente no projeto integracionista com a Argentina a partir de meados dos anos 80.
  • Adotando-se uma espécie de "futurologia do bom senso", caberia examinar, assim, as opções extremas que se oferecem ao MERCOSUL para tentar delimitar, mais adiante, as propostas razoáveis abertas a seu desenvolvimento político e institucional. Deve-se advertir que, de um ponto de vista metodológico, tais "opções" e "propostas" não são consideradas como o resultado de simples medidas tópicas de administração da união aduaneira em formação adotadas pelos dirigentes e "executivos" do MERCOSUL, mas como possíveis vias de evolução futura, a partir de tendências imanentes e de forças "estruturais" determinadas a partir do próprio processo de integração, em suas "linhas profundas" de desenvolvimento. (1)
  • Sem inclinar-se para qualquer tipo de análise conjuntural, pode-se no entanto reconhecer que, no curto prazo, o MERCOSUL não parece politicamente ameaçado por alguma catástrofe política irreversível, nem por algum conflito econômico de grandes proporções, a não ser por suas próprias escaramuças "verbais" e comerciais, de pouca magnitude intrínseca, aliás. No que se refere às primeiras, elas parecem derivar do confronto de uma retórica ideologicamente livre-cambista para consumo externo e de algumas práticas internas, abertas ou veladas, de protecionismo explícito ou implícito, para contentar ou apaziguar setores específicos da economia "doméstica" ameaçados de deslocamento pelo ritmo da integração. A necessidade de proteção dos empregos nacionais nos setores sob risco é, evidentemente, uma mola propulsora dessas contradições entre o programa doutrinário da integração ­ ao qual todos aderem sem restrições ­ e o pragmatismo mais discreto da proteção (justificada a título de "exceções").
  • Quanto às disputas comerciais por acesso recíproco aos mercados dos países membros e as acusações mútuas de "comércio desleal" entre parceiros ­ a começar pela própria magnitude da TEC ou pela "legitimidade" de algumas barreiras não-tarifárias, remanescentes ou "construídas" durante ou após o período de transição ­, elas são inevitáveis, na medida em que correspondem a uma situação de abertura progressiva num contexto de indefinição de normas estritas de competição e de ausência parcial ou total da "harmonização das políticas macroeconômicas", objeto, como se sabe, do Artigo 1º do Tratado de Assunção. Ao não ter sido realizada essa harmonização, torna-se evidente o potencial de desentendimentos entre os membros nos mais diversos campos: níveis da TEC, exceções aceitáveis, ritmo da convergência, barreiras ao intercâmbio, normas industriais e regulamentos técnicos, padrões e formas de proteção à propriedade intelectual, medidas de defesa comercial, regras aplicadas aos setores ditos "sensíveis", enfim, questões próprias a toda e qualquer união aduaneira em formação. O contexto fin-de-siècle de crise financeira internacional ou as preocupações no Brasil e na Argentina com o desequilíbrio das transações correntes não ajudam, por certo, no desmantelamento de alguns dos obstáculos nacionais erigidos no caminho da consolidação dessa união aduaneira, mas os elementos centrais desta análise devem ser as "tendências pesadas" do processo de integração, não seus elementos passageiros.
  • Quais seriam, nesse sentido, as alternativas dicotômicas colocadas como promessa ou como ameaça no futuro do MERCOSUL? Eles parecem conformar duas perspetivas bem definidas, ainda que aparentemente pouco factíveis, de desenvolvimento político-institucional. Por um lado, na vertente "otimista", a realização plena do projeto integracionista original, ou seja, um mercado comum caracterizado pela "livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos", consoante os objetivos do Artigo 1° do Tratado de Assunção, ainda não realizados, diga-se de passagem. Por outro lado, no extremo "pessimista", a diluição do MERCOSUL numa vasta zona de livre-comércio hemisférica, do tipo da ALCA, de conformidade com o programa traçado em Miami em dezembro de 1994 e confirmado em Santiago em abril de 1998.
  • Antes de discutir se tais opções extremas seriam factíveis, realizáveis no curto ou médio prazo ou mesmo credíveis no atual contexto político-diplomático e econômico da região, vejamos o que significaria o desenvolvimento de uma estratégia intermediária de menor custo político e econômico para o Mercosul, que seria representada por uma zona de livre-comércio geograficamente menos ambiciosa, como a proposta Área de Livre-Comércio Sul-Americana (ALCSA). Esse espaço de liberalização comercial de âmbito exclusivamente sul-americano não tinha recebido, até os mais recentes progressos da ALCA, a continuidade esperada pelos seus proponentes originais e parecia até há pouco colocado numa espécie de limbo político pelos negociadores da integração. Para registro histórico, lembre-se que esse projeto tinha sido apresentado no Governo Itamar Franco como "Iniciativa Amazônica" pelo então chanceler Fernando Henrique Cardoso, depois ampliado em escala continental pelo Chanceler Celso Amorim. Nas duas modalidades, se previa a negociação, diretamente pelo MERCOSUL e sua ulterior protocolização pela ALADI, de amplos acordos de liberalização comercial e de complementação econômica entre os países do MERCOSUL e os demais países do continente. Tal como apresentado pelo Brasil, ele não despertou entusiasmo nos demais parceiros do MERCOSUL, na medida em que reduzia o impacto do acesso preferencial ao mercado brasileiro por parte desses países e introduzia um difícil processo de negociações "triangulares" que tinha de levar em conta não apenas o chamado "patrimônio histórico" da ALADI, mas ainda acordos de alcance parcial que os países do MERCOSUL e seus associados pudessem manter individualmente com outros países latino-americanos membros de outros esquemas integracionistas (caso do México e do NAFTA).
  • A conclusão, em 16 de abril de 1998, de um acordo quadro de liberalização do comércio entre os países do MERCOSUL e a Comunidade Andina vem recolocar num novo patamar os esforços de consolidação de uma zona de livre-comércio na América do Sul. A ALCSA representa uma opção de médio escopo hemisférico, servindo para reforçar o esquema liberalizador no âmbito geográfico da América do Sul. Seu pleno desenvolvimento representa uma estratégia de grande importância na conformação de um projeto econômico próprio para a região, independentemente da vontade política do principal parceiro hemisférico. A despeito das enormes dificuldades negociais ­ inclusive internas aos quatro membros do MERCOSUL ­ em torno de concessões recíprocas e da recuperação do "patrimônio histórico" da ALADI, as duas uniões aduaneiras em consolidação pareciam dispostas a ultimar as negociações no decorrer de 1999, com vistas a implementar a área de livre-comércio bi-zonal a partir do ano 2000, mesmo se alguns produtos sejam de fato excluídos da liberalização ou recebam esquemas bastante prolongados de desgravamento tarifário.
  • Caberia observar, finalmente, em relação a essa "terceira via" da integração regional sul-americana, que ela não atende, está claro, às necessidades de investimentos e de tecnologia dos países-membros do MERCOSUL, nem tampouco a um incremento significativo de suas exportações de maior valor agregado, podendo representar, ao contrário, uma via de acesso ampliado aos mercados do Cone Sul por parte das economias setentrionais da região. Por último, nenhum esquema integracionista ampliado ao continente sul-americano pode resolver os conflitos internos próprios ao MERCOSUL, tanto os de natureza econômica como os de caráter político-institucional, nem eludir a necessidade intrínseca de se lograr, até 2005 previsivelmente, uma maior coesão interna do bloco em face dos desafios que se projetam nos planos hemisférico e multilateral.
     
     
  • Opções extremas: entre um mercado comum completo e a ALCA
  • No que se refere aos cenários extremos, comecemos agora por examinar a "hipótese" em função da qual foi elaborado o próprio projeto do MERCOSUL, ou seja, a realização do mercado comum sub-regional. A terem sido cumpridos os objetivos fixados no Artigo 1º do Tratado de Assunção, o mercado comum previsto deveria ter entrado em funcionamento no dia 1º de janeiro de 1995, o que obviamente não foi o caso. Segundo uma leitura otimista desse instrumento diplomático e do próprio processo de integração, esses objetivos serão cumpridos nesta etapa complementar, que denominamos de "segunda transição", observados os prazos fixados no regime de convergência estabelecido para os diferentes setores definidos como "sensíveis" e cumpridos os requisitos mínimos desse mercado comum. Isto significaria, entre outros efeitos, a implementação efetiva da Tarifa Externa Comum e a conformação eventual, se necessário, de exceções verdadeiramente "comuns" a essa pauta aduaneira, e não listas nacionais de exceções como hoje se contempla. Idealmente, todas as barreiras não-tarifárias e medidas de efeito equivalente deveriam ter sido suprimidas. A coordenação de políticas macroeconômicas, nessa perspectiva, supõe igualmente que os países membros deveriam ter delimitado todas as áreas cruciais de cooperação em vista da necessária abertura recíproca de seus mercados a todos os bens e serviços dos países membros, inclusive no que se refere à oferta transfronteiriça de serviços e ao mútuo reconhecimento de normas e regulamentos técnicos específicos.
  • Na ausência de progressos mais evidentes nessas áreas, se esperava que os países pudessem ter definido, pelo menos, um sistema de paridades cambiais com faixas mínimas de variação, se alguma, entre as moedas respectivas, bem como a harmonização dos aspectos mais relevantes de suas legislações nacionais relativas a acesso a mercados. Estes são os requisitos mínimos para a conformação de um amplo espaço econômico conjunto no território comum aos países do MERCOSUL, a partir do qual se poderia caminhar para a consolidação progressiva e o aprofundamento do processo de integração, em direção de fases mais avançadas do relacionamento recíproco nos campos econômico, político e social.
  • Ainda que esse cenário razoável não se concretize, como parece previsível, nos primeiros anos do próximo século, seu desdobramento faz parte da lógica interna do MERCOSUL. Em todo caso, ele resultaria num MERCOSUL muito próximo do padrão de integração apresentado pelo mercado comum europeu em finais dos anos 60, isto é, após terem os signatários originais do Tratado de Roma completado sua união aduaneira e definido uma espécie de "coexistência pacífica" entre uma pretendida vocação comunitária ­ encarnada na Comissão, mas freada pelos representantes dos países-membros nos conselhos ministeriais ­ e um monitoramento de tipo intergovernamental, consubstanciado no papel político atribuído ao COREPER, o Comitê de Representantes Permanentes, não previsto no primeiro esquema institucional. (2) Em outros termos, mesmo a mais "comunitária" das experiências integracionistas, sempre foi temperada por um necessário controle intergovernamental ou, melhor dizendo, nacional. No caso específico do MERCOSUL, as dúvidas ou obstáculos levantados em relação ao aprofundamento do processo de integração não parecem derivar de reações epidermicamente "soberanistas" ou mesquinhamente nacionalistas ­ ou até mesmo "chovinistas", como parecem acreditar alguns ­ mas de determinadas forças políticas ou de correntes de pensamento, para não falar de interesses setoriais "ameaçados", que logram "congelar" o inevitável avanço para a liberalização comercial ampliada entre os membros. Tais tendências não são necessariamente nacionalmente definidas, mas existem ao interior de cada um dos países envolvidos no processo.
  • Quanto à outra hipótese extrema, a diluição ­ ou dissolução, prefeririam alguns setores norte-americanos ­ do MERCOSUL na ALCA, ela apenas poderia resultar de uma opção consentida e desejada pelos próprios países membros, a menos que se admita uma deterioração sensível da "solidariedade mercosuliana" nos anos finais da segunda fase de transição. Considera-se aqui, como hipótese "realista" de trabalho, que a ALCA terá seguimento e conclusão exitosos, escapando à sua implosão por forças internas ­ sindicais e congressuais ­ dos Estados Unidos ou à sua própria "diluição" no caso de uma nova rodada abrangente de negociações comerciais multilaterais que signifique eventualmente sua inocuidade por efeito de incorporação de sua pauta negocial substantiva.
  • A hipótese da diluição do MERCOSUL na ALCA não pode ser excluída de todo, a julgar pelas assimetrias persistentes e por uma certa busca de "vantagens" unilaterais, como parece ser a tentativa do Paraguai de preservar os aspectos mais distorcivos de sua atual condição de "entreposto aduaneiro" da produção eletrônica de baixa qualidade que é despejada em seu território a partir de países asiáticos emergentes. Num caso ­ consolidação do MERCOSUL ­ como no outro ­ começo da implantação da ALCA ­, a data fatídica de 2005 aparece como um verdadeiro marco divisor, um "antes" e um "depois" num processo de escolhas cruciais que estarão sendo colocadas para os países do MERCOSUL nos primeiros anos do século XXI. Os estadistas do Brasil e da Argentina, em primeiro lugar, não poderão furtar-se a essas opções dramáticas e da qualidade das respostas dadas por suas respectivas diplomacias econômicas a alternativas por vezes contraditórias dependerá o futuro do MERCOSUL.
  • Os pressupostos formais e substantivos da ALCA são, evidentemente, inferiores em escala integracionista aos do MERCOSUL, muito embora a agenda econômica da liberalização hemisférica, tal como pretendida pelos Estados Unidos, compreenda bem mais do que os componentes elementares de uma "simples" zona de livre-comércio. Com efeito, tal como definido em Miami, em dezembro de 1994, aprofundado sucessivamente nos encontros ministeriais de Denver (junho de 1995), em Cartagena de Índias (março de 1996) em Belo Horizonte (maio de 1997) e em San José (março de 1998), e confirmado na segunda cúpula hemisférica (Santiago, abril de 1998), o programa da ALCA pretende ser algo mais do que um mero exercício de rebaixamento tarifário e de concessões recíprocas de ordem não-tarifária, cobrindo ainda, de forma abrangente, campos como os de serviços, investimentos, propriedade intelectual, concorrência e compras governamentais.
  • Conscientes do projeto ambicioso impulsionado pelos Estados Unidos, assim como de suas próprias fragilidades estruturais no confronto com a supremacia competitiva do Big Brother do Norte, os países-membros do MERCOSUL buscaram refrear o ímpeto inicial de, nos termos da Declaração de Miami, se "começar imediatamente a construir a ALCA", logrando afastar, na reunião ministerial de Belo Horizonte (maio de 1997), a ameaça de que se deva, "até o fim deste século [obter] progresso concreto para a realização deste objetivo". O MERCOSUL adotou uma postura essencialmente crítica em relação à ALCA, quando não um posicionamento cético à consecução de alguns dos ­ senão todos ­ objetivos fixados na Declaração de Miami, com exceção da própria meta geral de se empreender a construção de uma "zona de livre-comércio hemisférica". 

http://pralmeida.tripod.com/academia/05materiais/667msul.html
Thaynara

Um comentário:

  1. O Brasil foi muitoo imporatante no MERCOSUL.
    Thaynara n°35 2°ANO D

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